Reproduzo abaixo o texto produzido para a aula do nosso digníssimo professor Bernardo Rodrigues. A grande reportagem foi feita por mim, Camila Brant e Evandro Massa. Esperem que goste, essa foi a primeira matéria que fiz dessa forma, um pouco mais literal. Esse é mais um dos inúmeros jeitos de se produzir notícia e informar a sociedade.
Lágrimas
2004. As lágrimas não paravam nos olhos; elas teimavam em descer mesmo quando não havia mais vontade. Apesar do sentimento de revolta, a tristeza era grande, afinal não era fácil perder um pai, mesmo quando ele não parecia ser o mais adequado
A forca
Na tarde daquele dia Ronaldo chegara bêbado, como sempre. Qualquer movimento ou palavra mais brusca de Maria José Trindade poderia provocar a fúria daquele homem que estava habituado a bater. Aquela seria a última vez que colocaria as mãos na doce pele da esposa.
Com golpes na cabeça, aparentemente sem motivo, Maria ficou ferida. Ronaldo Júnior, com 13 anos, também sofreu duros golpes naquele dia, mas finalmente resolveu revidar, afinal era muito doloroso ver a sua mãe querida sofrer.
Com bastões e pedras o menino parou as agressões do pai. Ronaldo pai, de tão decepcionado preparou a forca. Ronaldo Júnior correu. Ao invés de beber ou se drogar, parou na secretaria de cultura.
O velório
Lenir de Castro acolheu o menino como uma mãe. Apesar dos 13 anos Ronaldo parecia uma criança aninhada no colo da gestora do projeto Fazendo Arte. Ele deixou-se convencer. Iria ao velório.
“A Lenir me fez entender que era necessário despedir do meu pai” declarou o menino que não mostra ressentimentos já que o pai era o que mais o apoiava no projeto. “Ele vendia pipoca no circo, mas o que ele queria mesmo era estar dentro do picadeiro, por isso nunca pensou em fazer o menino desistir” revelou a gestora.
O pré-vestibular
Ronaldo está tenso. Fez a prova para conseguir entrar no pré-vestibular popular e tentar um concurso. Júnior sonha atualmente em entrar na Polícia Militar, afinal quer ajudar as pessoas a terem um futuro e não repetir o que viu em sua infância.
O projeto
Ronaldo entrou no projeto Fazendo Arte aos 7 anos e desde então sua professora, Vânia Ordones, percebeu uma boa desenvoltura do garoto. Logo depois ele fez sua primeira peça da qual não esquece: “Criança é vida, depois disso percebi toda a magia do projeto”. Após os elogios dos patrocinadores decidiu nunca mais abandonar aquele local que o fazia tão bem.
Ele contou que os aplausos eram a maior recompensa pelo trabalho. “A maioria das pessoas daqui são carentes e assim que entram no projeto percebem o quanto ele irá mudar a vida deles” explicou Ronaldo.
Lenir acrescentou que o Fazendo Arte emociona-a a muito porque ele permite que crianças como Ronaldo, que não tinham uma perspectiva de futuro, tenham acesso à cultura. “Eu via meus amigos com armas e drogas na minha frente, mas nunca pensei em usar porque a Lenir cuidava de mim de perto, e não deixava eu nem olhar para o lado” afirmava o adolescente.
Ronaldo pensa em entrar para PM enquanto seus antigos amigos estão presos, drogados pelas ruas ou mortos. A arte se apaixonou por Ronaldo e permitiu que se tornasse um adolescente bom, com o pensamento na cultura e não em brigas ou armas, “eu não tenho tempo de pensar besteira”.
A unidade
Imagine um bairro carente onde as coisas ruins que geralmente vemos na televisão acontecem. Imagine um local que a PM considera zona vermelha. Imagine o bairro Terra Azul. Agora imagine um projeto de inclusão social no meio disso tudo.
Professores como Sandra Figueiredo de Araújo as vezes não podem dar aulas porque há traficantes nas ruas trocando tiros com os policiais. “Apesar disso os próprios bandidos protegem a escola porque vêem o quanto o Fazendo Arte é importante para a formação dessas crianças” analisou emocionada a gestora. A sede do local não tem uma pichação nem nada que indique atos de vandalismo.
O projeto abriga atualmente 1.700 alunos que participam de várias atividades como teatro, jazz, ballet, hip hop, capoeira, flauta doce, violão, viola caipira, artes plásticas e contação de histórias. Ronaldo escolheu o teatro para mudar a sua vida e de toda a sua família, já Bianca, que estudou no projeto com o rapaz, escolheu o ballet e agora dança numa escola profissional através de uma bolsa que ganhou por causa do seu talento.
Bianca de Souza começou tocando flauta e logo logo entrou para o balé ett. Bianca sempre foi uma garota muito esforçada, sempre acreditou nos seus sonhos, e por ai não parou.
Os dois fizeram uma grande apresentação no final do ano que mudou as suas vidas, apresentando a peça Consciência Negra.
Ela possui várias fitas e dvds de festivais que apresenta. Ela cursa o 3º ano e possui as melhores notas, sempre freqüente e atenciosa em tudo o que faz. Além da escola, Bianca participa da academia de dança durante a tarde, onde treina, faz vários ensaios e prepara as aulas que dá na parte da noite.
A mãe da garota, Aparecida de Souza, cortava calças jeans para transformá-las em sapatilhas. Além disso, confecciona as roupas da filha e dos amiguinhos para as grandes apresentações de final de ano. ‘’Sempre apoiei minha filha desde o início, tenho muito orgulho de ser sua mãe, sempre quando Bianca entra no palco me emociono” observou orgulhosa a mãe coruja.
Recuperação
Júnior está em recuperação. Ele não conseguiu mostrar aos professores o que sabia e por isso terá que fazer uma última prova para conseguir passar de ano. O resultado sai e por total surpresa dos professores, ele fechou a prova. Eles questionam Ronaldo já que durante todo o ano ele não soube nada do que escreveu no último exame. Ele explica: tudo que eu coloquei aí aprendi esses dias no projeto.
Despedidas
O garoto foi para o projeto imaginando que aquela poderia ser a última vez que estaria ali. Ele andava pelas ruas solitário e pensativo, afinal o que seria da vida daquele menino sem o teatro, os amigos, sem a Lenir?
Quando chegou no Fazendo Arte foi correndo conversar com a gestora e se despedir, não poderia ir embora antes de agradecer tudo que a sua segunda mãe havia feito para ele. Mais uma vez ela ajudou o menino.
Lenir o ajudou conversando com a sua família e mostrou para a mãe de Ronaldo como o projeto havia mudado a vida daquela família. Maria parou de ouvir os conselhos dos irmãos e decidiu deixá-lo naquele projeto que o fazia tão feliz, e a deixava tão tranqüila. “Os pais deixam esses meninos nas ruas na ociosidade e por isso tanta coisa ruim acontece com as crianças. Mas aqui no projeto eles ficam tranqüilos e sabem que logo depois que as oficinas acabarem terão seus filhos de volta para casa, porque é exigência que eles retornem ao lar assim que saírem daqui. Se quiserem sair depois tudo bem, mas nós nos responsabilizamos com a segurança deles” explicou Lenir.
Mãezona
“Eu tenho um amor inexplicável por esta que é a minha segunda mãe” Ronaldo Júnior.
“Lenir de Castro é uma mulher maravilhosa e batalhadora, sem ela esse projeto não existiria” Sandra Figueiredo.
‘’Se eu estou onde estou e pelo apoio que sempre Lenir me deu,agradeço todos os dias a Deus por ter colocado esta grande mulher no meu caminho.’’Bianca de Souza
Despedidas 2
Durante um ano Ronaldo Júnior foi multiplicador do projeto. “As pessoas que estão no projeto e se destacam viram multiplicadores, ou seja, trabalham junto com os professores na sala de aula ajudando no que for necessário. Ganham pouco, mas se sentem valorizados” afirmou Lenir.
Assim que completou 18 anos teve que sair do Fazendo Arte e dar oportunidade para que outras crianças pudessem entrar em seu lugar. Era hora de se despedir e trabalhar.
“Quando tava virando adolescente, naquela fase crítica, eu pensei em sair do projeto porque a Lenir tava muito chata, mas ela sabia pegar nos meus pontos fracos, e até hoje agradeço a ela por não ter me deixado sair” observou Júnior que tinha a certeza de que se saísse iria pirar, hoje ele acredita ter uma cabeça boa e com valores.
Chacota
“Na minha sala eu era motivo de piadinhas porque eles achavam que um homem não poderia fazer teatro e muito menos dançar. No dia que eles me viram no palco passaram a demonstrar respeito por mim, até na forma com que as pessoas olham para mim o projeto influenciou” contou Ronaldo.
Quando era menor foi chamado para atuar na peça Romeu e Julieta. Ele tinha técnica suficiente para fazer o papel principal e queria muito atuar como Romeu, mas seus amigos disseram que este deveria ser branco. Ronaldo não entendeu muito isso na época, hoje abomina o preconceito e deve isso ao projeto.
Oportunidade
A magia do novo não intimidou Ronaldo. Apenas fez com que em seus 13 anos de idade, fosse despertada a necessidade de um olhar diferente e observar a oportunidade escancarada à sua frente.
O Projeto Fazendo Arte foi o caminho para conhecer uma nova forma de cultura. “A pessoa pode até não gostar, mas ela tem que ter a oportunidade de conhecer algumas formas de arte que muitas vezes não aparecem na televisão”, explica Bernardo Rodrigues, Secretário da Educação de Divinópolis que defende uma política cultural que respeite as diversidades através de um equilíbrio entre o que é de interesse das mídias e o que é interessante para as pessoas.
Milhares de “multiplicadores anônimos” estão espalhados por diversas regiões justamente por terem descobertos neles mesmos uma identificação com a própria arte.
Cultura e Desenvolvimento
Aliado a projetos como o Fazendo Arte esta a Política Cultural, que em uma dimensão cidadã, visa a inclusão social, desenvolvimento humano, cidadania, promoção, contribuindo também para o fortalecimento da economia. É o que garante Bernardo Rodrigues quando cita o exemplo de Divinópolis que recebe recursos financeiros através da Lei do Incentivo à Cultura. “São milhões de reais que aparecem por lei municipal, estadual e federal de incentivo a cultura e isso garante um aquecimento e geração de renda bastante significativo ao município”. Em um exemplo simples, um projeto relacionado a eventos como shows de música, consegue beneficiar diretamente uma média de vinte pessoas, isso sem falar dos diversos seguimentos indiretos como restaurantes, hotéis, empresas de transporte, técnicos de som. Uma movimentação financeira considerável, isso apenas por um exemplo de atuação da política cultural.
Política Cultural
Ronaldo conseguiu entender melhor na prática o que muitas pessoas acreditam existir só na teoria. Quando resolveu dispensar a apresentação para não conhecer os dragões das nuvens e viagens alucinantes, deixou o novo invadir sua vida. Através do projeto, conheceu oficinas de música, teatro, dança, arte, aprendeu a se comunicar melhor, ou seja, uma completa interação e integração com a sociedade.
Uma boa política cultural preza por esse tipo de incentivo e sabe que o resultado é a longo prazo.
Ronaldo é esse exemplo.
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