sexta-feira, 9 de julho de 2010

Brincadeiras que alimentam a alma

Abaixo mais uma grande reportagem produzida para a aula do professor Bernardo Rodrigues e do professor Ricardo Nogueira. Grupo: Jessica Riegg, Camila Brant e Evandro Massa. Espero que gostem!


A doença



Luan, 9 anos, quarto ano. A doença que tanto o persegue atacou novamente. Ele é obrigado a ficar no hospital deitado, com soro entrando nas veias, com um respirador mostrando-o como se deve encher os pulmões de ar. Para uma criança a bronquite é um monstro que pode atacar a qualquer momento, principalmente quando o inverno se aproxima.



A solidão



Trancado num quarto de hospital, o que Luan deseja mesmo é poder correr por ai e mostrar a todos o quanto se sente bem. Ele sente necessidade de brincar com seus amigos de escola. Luan sente falta de gente ao seu redor, mas não toda aquela gente que tosse, chora, ou simplesmente não reage. Ele não quer mais aquelas duas crianças ao seu lado, que nem falam com ele, preocupadas demais com seus próprios problemas. O que ele deseja mesmo é ter sorrisos ao seu redor.



O lápis de cor



Para a alegria de tantas crianças internadas como Luan, as “tias” entram no quarto carregadas de brinquedos. Elas têm uma magia em seus sorrisos que contagiam e parece que trazem a cura para toda e qualquer doença.
“Eu to até conseguindo escrever com a mão esquerda” observou Luan, que foi apelidado pelas tias de Luan Santana. Ele está com a mão direita picada por uma agulha que ajuda-o na recuperação e não pode desenhar a bíblia como gostaria. Apesar disso coloriu o livro com o maior zelo que podia, já que, para ele, Deus o ajudará na recuperação.
Até no jogo do mico Luan determina: “Você terá que dizer uma palavra do Senhor, assim como O Senhor é meu pastor e nada me faltará”. O garoto, que vai frequentemente ä Igreja tem certeza do que diz, e tem mais certeza ainda de que logo vai sair desse lugar que carrega emoções tão fortes.



Brinquedotecas



A alegria trazida pelas tias Mariana Xavier e Mariane Ribeiro vem do projeto chamado Brinquedoteca, que já é adotado em vários hospitais, assim como no Pronto Socorro Regional de Divinópolis. As estagiárias contam histórias, incentivam os desenhos, brincam com a massinha, e com quaisquer outros brinquedos que a criança queira. O objetivo é se divertir e trazer um pouco de esperança para quem já cansou de esperar por tempos melhores.
“É um trabalho gratificante” afirmam Mariana e Mariane que se sentem satisfeitas por poderem ajudar a quem precisa. Apesar de serem apenas estagiárias já demonstram muito saber nessa nova profissão: alegrar pessoas, que é talvez, uma das profissões mais importantes que alguém pode exercer.



Do contra



No início a idéia parecia boba e tola. Os médicos do Hospital São João de Deus, o primeiro em que o projeto seria implantado em Divinópolis, eram irrevogavelmente contra a instalação de um projeto como esse, que desviava o foco do tratamento.
A voluntária do hospital, Roberta Morato, lutou juntamente com os idealizadores do projeto para impedir que as Brinquedotecas, planejadas com tanto amor e carinho, ficassem apenas no papel. “Isso não vai melhorar o quadro clínico dos pacientes” era o que eles diziam, contou Roberta.
A insistência deu lugar aos pedidos de desculpas, já que os médicos se sentiram envergonhados ao perceberem o quanto o projeto era bom para a saúde de crianças como Luan. O projeto foi tão bom que chegou aos ouvidos do então governador, Aécio Neves, que inaugurou a Brinquedoteca móvel em novembro do ano passado.
O Hospital gerou “filhos” que seguiram o seu exemplo, assim como o Pronto Socorro, (que fez as devidas adaptações para poder atender os seus clientes) e o Hospital Nossa Senhora da Conceição.



O lugar



A Brinquedoteca do Pronto Socorro é um pouco diferente das outras implantadas na maioria dos hospitais. Enquanto as tias vão até as crianças, aqui são as crianças que correm atrás desse local.
Uma sala pequena, porém, com a capacidade de permitir que o claro do dia seja mais um elemento de conforto. A brinquedoteca fica com poucas janelas abertas, afinal o clima não esta tão favorável, já é inverno. O silêncio contrasta com as cores vivas e alegres do lugar.
Nada de bagunça ou objetos espalhados. A sensação é de que o espaço foi criado para uma reflexão ou mesmo relaxamento - isso se não estivessem ali centenas de objetos que revelassem o real propósito. São carrinhos, bonecas, jogos de encaixe, livros e muitos outros brinquedos, desses que geralmente são encontrados espalhados pela casa. Mas, naquela sala, tudo fica organizado, mesmo com tantos brinquedos tomando conta de todo o espaço. Por qualquer lugar que se olhe eles se misturam em vários formatos, tamanhos e cores de forma harmoniosa.



Trabalho



É mais um dia de rotina para Tatiane de Almeida Freitas, uma das quatro psicólogas do Hospital Nossa Senhora da Conceição, da cidade de Pará de Minas. Ela segue pelo corredor do andar com seu jaleco branco, passos firmes e atenção redobrada. Na cabeça, além dos cabelos longos e amarrados, uma mente determinada em ajudar, através de seus conhecimentos, as várias crianças internadas.
Tatiane faz parte do Departamento de Psicologia que idealizou a brinquedoteca. Inspirada pelo modelo já praticado no Hospital São João de Deus em Divinópolis, onde fez estágio por um tempo, confessa que trouxe à Pará de Minas apenas uma parte do projeto original. Em 2009 o espaço foi inaugurado.
Em uma sala pequena, neste mesmo andar, durante duas horas por dia funciona a Brinquedoteca. O tempo é curto, mas com a falta de voluntários ou estagiários, e com a função clínica e a de recursos humanos a desempenhar, as duas horas de segunda a sexta passam depressa. “Pena não conseguir desprender mais tempo para o projeto” lamenta Tatiane. Todos aqueles que conhecem o projeto não conseguem mais se desgrudar dessas crianças tão carentes de carinho e atenção.



Humanas e Exatas



A conta é simples, praticamente 2+2, ou como qualquer outra continha que a tia-professora ensinava com tanta paciência na escolinha.
Uma fórmula que deu certo.
Criança + Brinquedo + Hospital = Criança Feliz
Tatiane comenta que a classe social, raça, credo, grau escolar, nada disso interfere para que esta equação seja praticada todos os dias, durante as poucas duas horas que acabam dividindo cada dia.
A primeira parte que antecede os rápidos 120 minutos fica reservada para a ansiedade e o desejo das crianças de aproveitarem ao máximo o tempo na brinquedoteca. Depois disso, vem a outra parte do dia, esperar até amanhã para repetir a dose.
“Elas não são diferentes em nada depois que entram aqui”, revela a psicóloga sobre as crianças de diversos lugares e classes sociais atendidas no hospital.
O espaço funciona como uma terapia recreativa. Alegra a criança independente de ter alguma patologia, faz com que ela fique mais motivada ao tratamento.
Um ambiente assim, na cabeça de uma criança, muda todo o sentido de um hospital, sua saúde melhora brincando.



Vínculo



Luan é como todas as crianças dos hospitais e melhora a cada minuto de brincadeira. Ilma Aparecida Raimundo sorri a cada sorriso de seu “pimpolho”. A mãe brinca com o filho, sem nenhuma preocupação. Ela sabe que as tias, como Mariana, Mariane, Tatiane e Roberta estão ali para dar todo o suporte necessário para as brincadeiras inventadas pelo filho, e é então nesse momento que Ilma aproveita para brincar com o filho. Ela brinca de quem ele finge ser, ela brinca de ser quem o filho imagina que ela possa ser.
Os laços de amizade que unem mãe e filho se tornam mais fortes ali, num momento da mais pura alegria e despreocupação. “Com essas brincadeiras os pais vivem esse vínculo, coisa que as vezes os adultos esquecem de fazer” comentou Mariana que acrescentou que os pais geralmente querem fugir daquele local que tanto faz os filhos sofrerem; com as brinquedotecas, eles até animam a ficar mais tempo.



“Volta, vem viver outra vez ao meu lado...”



É incrível como para cada pessoa essa música parece fazer algum sentido. Para Ilma, essa música resume o quanto ela deseja ter Luan em casa novamente para abraçá-lo. Para Luan, resume o quanto sente falta dos amigos e do irmão, que teve que ficar com a avó enquanto ele se recuperava da bronquite. Para os amigos da criança, resume o quanto eles sentem falta da companhia dessa pessoinha que é amada por tantas pessoas. Até a casa sente falta do garoto, já que ele cuida com o maior zelo do local. “Ele me ajuda muito, não sei o que eu seria sem ele” afirma carinhosamente a mãe.



Brincadeira é coisa séria



Brincar é uma coisa extremamente séria. Os hospitais e os pais já entenderam isso, agora os políticos é que determinam essa seriedade na Constituição. E é por isso que existe o dia internacional do brincar. Ele é comemorado no dia 28 de maio e foi criado pela presidente do ITLA, Cynthia Morrison. A primeira cidade a oficializar esse dia no Brasil foi Araraquara, através de uma lei municipal. O evento foi incluído no calendário oficial do município através do projeto de lei de autoria do vereador José Carlos Porsani, aprovado pela Câmara em 2008.

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