sábado, 5 de novembro de 2011

Advogado entra com recurso do STF em forma de poesia

Para Robervan Faria, é inadmissível que uma sentença seja prolatada em ritmo poético


Versos mostram indignação no caso da estudante barrada em boate


Jessica Riegg


No dia 18 de abril deste ano, o juiz Carlos Roberto Loiola julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais apresentado pelo advogado Robervan Faria em nome da estudante de Direito Gislaine Isabel da Silva, 24 anos. Na noite de 4 de setembro de 2010, ela foi barrada na porta de uma boate porque os proprietários consideraram seus trajes impróprios para o ambiente.
Ao prolatar a sentença, o juiz se deixou inspirar e começou citando: 'Este é um tempo partido, tempo de homens partidos, dizia Carlos Drummond de Andrade. Tudo se transmuta. E a intolerância grassa de mãos dadas com a impaciência e com o stress. Grassa o desrespeito ao ser humano, que é tratado como um simples número de cartão de crédito (...)'
Fala ainda que o mundo é selvagem, pois 'tudo transforma em cifras, números, códigos, senhas. Mundo que desconhece as pessoas pelo seu nome - direito inalienável do ser humano! Mundo selvagem da aranha viúva negra, que mata seu parceiro no leito nupcial...'
No decorrer do texto, passeia pelo universo do cineasta Roberto Bennini e o filme 'A vida é bela' para explicar que 'a vida pode ser boa até em um campo de concentração', justificando que escreveu o texto dessa maneira porque, para ele, a questão tratada não é jurídica, e sim de sensibilidade poética no trato das coisas da vida, já que 'no baile dos poetas essas coisas não acontecem'.
O advogado Robervan Faria considerou a atitude ofensiva e inusitada e não concordou com a decisão em primeira instância. Decidiu responder no mesmo tom literário e abriu sua defesa com um poema cujos versos ilustram e sintetizam o Agravo de Instrumento ao Supremo Tribunal Federal - STF - que julga os recursos em última instância. Ele acredita que a poesia chamará a atenção e o processo será avaliado com rigor.
Em versos, ele afirma: 'Através de presente agravo de instrumento / vim verter o movimento / que se rebelou no Brasil e no exterior / contra um Juiz que pecou no seu labor//'. E acrescenta: 'Sentença é peça técnica dentro da legalidade / mas o que se viu foi anormalidade / que banal; que o diga o Supremo Tribunal Federal; / essa matéria tem repercussão geral/; Justiça é coisa séria/ e não depaupéria/ juiz deve sentenciar / e não tripudiar//'.


Forninho


No final da sentença, o juiz nega o pedido de justiça gratuita e explica: 'A autora veio acompanhada de combativo advogado, frequenta boate, ao que parece charmosa e muito cara, e a coluna social. Pobre não é. Pobre só tem cesta básica, forninho, SUS, Bolsa Família, Bolsa Escola, bolsa vazia...'.
Em resposta, Roberval escreveu o seguinte verso: 'A dignidade do ser humano vale ouro/; tida como um tesouro/; mas dizer que 'pobre tem forninho', / isso não é decisão e sim discriminação'.
- Não concordo com esse tipo de afirmação porque discrimina minha cliente e banaliza o assunto. Espero que, respondendo em forma de versos, o STF compreenda minha indignação e julgue o processo novamente - declarou.
Esta é a primeira vez que ele usa rimas para despertar a atenção dos ministros.


Advogado


No penúltimo verso, Robervan cita o fato de um estagiário fazer o trabalho do advogado e até ir à tribuna, fazendo as vezes com sustentação oral, o que, segundo ele, é proibido. E retruca rimando: 'A matéria do extraordinário é de ordem pública / a ser arguida a qualquer tempo /; inclusive com nulidade do julgamento, / pois o que não podemos admitir / sem bradar ou tinir / é estagiário fazer as vezes do advogado no processo / que retrocesso, / ainda mais em Tribuna que todo mundo vê / isso é vedado pela OAB//'.

2 comentários:

Thatá disse...

Ayres Brito, ministro do STF, é conhecido como poetinha. Ainda não votou nada em forma dee verso mas vamos ver, quem sabe não o designam relator? Agora para interpor Recurso Extraordinário tem que ser em única ou última instância...

não acho que forninho foi pejorativo dentro desse contexto.

quanto ao estagiário fazer trabalho de advogado isso realmente acontece. Chega uma altura do curso em que não há mais distinção entre estagiário e advogado. Só que isso é permitido pela OAB desde que o estagiário seja inscrito na OAB e supervisionado por um advogado. Se o advogado ao qual a matéria se refere conhecesse melhor o estatuto da OAB ele saberia disso ;) e se fosse melhor advogado saberia que não cabe RE contra decisão de última instância...

Anônimo disse...

Só discordo de uma coisa da Thatá: cabe sim RE contra decisão de última instância. No Juizado Especial só é permitido a interposição de Recurso Extraordinário. E se inadmitido, cabe recurso de Agravo de Instrumento. Com relação aos versos, achei muito autêntico esse advogado. Muito legal mesmo. Com certeza irá chamar a atenção dos Ministros. Pedro P. Lamounier